sexta-feira, 22 de novembro de 2013

POR QUE O “THE VOICE BRASIL” NUNCA VAI REVELAR UM GRANDE ARTISTA

the voice
Sam Alves e Marcela Bueno, no emocionante batalha de duas semanas atrás: exposição em rede nacional, defendendo a trilha de uma franquia hollywoodiana
Tenho acompanhado a nova temporada de The Voice Brasil, não por interesse profissional, mas porque uma das competidoras, Marcela Bueno, é representante da gloriosa Jundiaí, conheço sua família e, assim, ficamos eu e minha linda esposa em casa comendo pipoca e torcendo por ela. Daí que, sinceramente, espero que ela seja honrosa exceção ao que vou defender neste espaço: o programa The Voice, assim como qualquer outro de seus similares, nunca vai revelar, como nunca revelou, um grande artista.
Não que o programa queira revelar um grande artista. O The Voice funciona muito bem sem essa pretensão. É um programa musical digno, bem feito, bem produzido, entretenimento sem apelações muito rasteiras. O problema não é do programa. O problema é decorrente de uma máxima muito simples, que é ignorada tanto por sua produção quanto por quem se inscreve nele: nenhum artista é maior do que sua arte.
Sam Alves e Marcela Bueno, no emocionante batalha de duas semanas atrás: exposição em rede nacional, defendendo a trilha de uma franquia hollywoodiana
Isso significa que quando ouvimos falar pela primeira vez de Lulu Santos, 1982, ele veio precedido por sua arte. Era o compositor da música principal do filme “Menino do Rio”, era o guitarrista do grupo Vímana nos anos 70, era o Luiz Maurício da trilha de Plumas & Paetês. Carlinhos Brown (apesar de você pensar que está enrolando o Brasil de caxirola em caxirola há vinte anos), já havia tocado com Luiz Caldas, Caetano Veloso, Paralamas do Sucesso, havia composto “Meia lua inteira” e excursionado ao lado de um monte de gente, antes de lançar seu primeiro álbum solo. E foi assim com Claudia Leite, com Daniel, com os Beatles, com Stravinski, com o Palhaço Carequinha. Seja você um roqueiro, um dodecafonista ou um engolidor de espadas, a regra é esta: o artista é sempre menor do que a arte que ele faz, ele sempre vem depois de sua própria arte.
The Voice, e os shows de talento televisivos, em geral, invertem essa lógica. Jogam o holofote, o maquiador, o horário nobre da Globo, o jornalismo das afiliadas e os programas de fofocas sobre o artista, muito antes de ele ter ao menos pensado em sua arte. É justo chamá-lo de “show de talentos”, porque é tudo o que ele apresenta: talentos brutos, gente abençoada com voz, ritmo, simpatia, carisma, mas sem arte com a qual se comunicar com nossas almas, sem arte que os livrará da obsolescência.
É curioso notar, nos duetos entre os quatro “técnicos”, como, via de regra, os competidores cantam melhor e atingem notas mais olímpicas do que eles. É porque arte não é uma competição, é uma capacidade de outra natureza. E, geralmente, essa capacidade está intimamente ligada às frustrações, ao amadurecimento e à anos e anos de uma vida underground, ao fim da qual, e só ao fim da qual, está a mídia e o estrelato.
Com a lógica inversa do The Voice, gente muito talentosa, mas muito nova e muito crua artisticamente, precisa rodear-se de assessores de imprensa, empresários, maquiadores, precisa saber dar entrevistas, lidar com fã-clube, ter website e driblar produtores pilantras. São agora estrelas, celebridades, com demandas maiores do que a maior parte dos criadores do mundo das artes.
E, quando tiverem tempo, quem sabe nas férias, essas exauridas celebridades possam vasculhar suas almas atrás de algo que queiram comunicar em forma de arte.
E, quem sabe, descubram, a despeito de todas as evidencias, a despeito da minha descrença, que, além de talentosos e carismáticos, são também artistas.
Ricardo Alexandre. Fonte: MSN.

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